Centrais Elétricas Virtuais: Uma Revolução no Setor de Energia Renovável

Geração distribuída (GD) de energia elétrica gerada através de painéis fotovoltaicos

Segundo ABSOLAR (2023), o setor de energia solar gerou R$ 33 bilhões em investimentos no primeiro semestre de 2023, acumulando mais de R$ 170 bilhões em novos investimentos desde 2012, R$ 47,9 bilhões em impostos gerando um milhão de empregos acumulados.

Evitando a emissão de 42,8 milhões de toneladas de CO2 na geração de eletricidade que, também pode gerar receita no mercado de carbono. A geração de energia elétrica a partir de painéis fotovoltaicos é a que mais cresce no Brasil, sendo a segunda maior fonte de geração com capacidade de 36 GW, cerca de 16,1% da produção nacional matriz elétrica (Exame, 2023).

Em setembro de 2023, o Brasil ultrapassou a marca de 7 gigawatts (GW) de incremento de capacidade instalada, nas 208 fábricas inauguradas este ano. Usinas eólicas e solares responderam por 89,2% do crescimento de capacidade instalada no ano (ANEEL, 2023).

No cenário global foram investidos US$ 366 bilhões em energias renováveis (ER) em 2021 (REN21, 2022), o que significa que a geração a partir de fontes renováveis atingiu 69% do aumento da capacidade de geração em 2021. De acordo com Naval & Yusta (2021), a maioria dos países está migrando para um mercado de varejo de comercialização de eletricidade, fornecida maioritariamente a partir através de GD com fontes renováveis. Para melhorar a eficiência e reduzir os riscos caracterizados pela introdução massiva de ER no sistema energético, há necessidade da utilização de mecanismos de equilíbrio do sistema devido a intermitência das ERs, em especial eólica e solar. É neste contexto que surgem as centrais elétricas virtuais (CEV). Uma vantagem importante dos CEVs é que elas podem vender energia em nome dos proprietários dos sistemas de GD.

Definição de Centrais Elétricas Virtuais (CEV)

A figura 1 ilustra uma CEV. Nela pode-se ver GD de origem fotovoltaica, eólica e de biomassa, poderíamos incluir pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) bem como outras fontes como termelétricas.  A mão humana está criando e pilotando os sistemas de informação que coletam dados de geração e de consumo bem como da preços de energia buscando otimizar preços e custos da energia elétrica bem como auxiliar na estabilidade do grid de transmissão.

Por definição, uma CEV consiste na integração de um grupo de instalações de GD gerenciadas por um único sistema de controle com comunicações bidirecionais entre seus componentes para obter mais operação eficiente. Uma característica importante das CEVs é a sua capacidade de participar diretamente nos mercados de eletricidade para obter maior eficiência econômica e operacional, através das chamadas centrais elétricas virtuais comerciais (CCEV) e técnicas (CEVT) discutidas no item 3.

De forma mais abrangente podemos dizer que as CEVs são utilizadas para gerenciar recursos energéticos distribuídos (RED):

1. Geração distribuída;

2. Resposta da demanda;

3. Sistemas de armazenamento;

4. Eficiência energética;

5. Veículos elétricos.

Os REDs podem ser utilizados tanto no lado da demanda quanto no da oferta energia (BRADFORD & HOSKINS, 2013).

Importância da GD no contexto da transição energética

Transição energética é a transformação da matriz energética (geração e uso de energia) atual para uma matriz que reduza as emissões de gases de efeito estufa (GEE) visando a estabilização da temperatura global, que na trajetória atual pode chegar a um aumento de 4 graus celsius no final do século.

Para isso é necessário que se diminua o uso de fontes emissoras GEE (carvão, óleo combustível, óleo diesel) na geração de eletricidade e aumente o uso de ERs.

Outras possibilidades que se tem discutido bastante são: o uso de hidrogênio renovável ou de zero-carbono (em especial o Hidrogênio verde e o azul) em vários processos industriais e o uso de grandes baterias para armazenamento de energia (EPE, 2023).

Fundamentos das Centrais Elétricas Virtuais

Desenvolvendo os recursos energéticos distribuídos (Aguiar, 2022)

Geração distribuída

É um sistema com geração de pequeno porte, localizado próxima à carga e conectada diretamente à rede de distribuição e que agrega diversos benefícios como: estabilidade e confiabilidade do sistema, redução ou postergação da necessidade de investimentos em geração e em linhas de transmissão, transmissão e distribuição, diversificação da matriz elétrica, redução de perdas técnicas e aumento da participação dos consumidores na expansão do sistema.

Resposta da demanda

O setor elétrico tem um acoplamento síncrono, ou seja, requer um equilíbrio em tempo real entre a geração e o consumo de energia. Variações bruscas na demanda são capazes de desequilibrar geração e consumo. Programas de resposta da demanda agregam muitos benefícios como modacidade tarifária, maior confiabilidade do sistema, menor volatilidade de preços. Os programas de resposta a demanda podem ser baseados em preços (variação de preços por horário) e incentivos tarifários que podem voluntários, obrigatórios ou de equilíbrio de marcado.

Sistemas de armazenamento

Os sistemas de armazenamento de energia são fortes aliados na difusão e penetração de fontes renováveis de energia no mercado, uma vez que permitem mitigar os efeitos causados pela natureza intermitente destes recursos energéticos.

Nas residências a combinação de bateria com painéis solares permite a bateria carregada durante o dia e abasteça o imóvel durante o horário de pico de demanda com a energia mais cara. Esse tipo de instalação permite que o consumidor fique protegido de apagões, com a energia solar operando off-grid, e economize ainda mais com a conta de luz, reduzindo o uso da eletricidade fornecida pela distribuidora até mesmo durante a noite (ABSOLAR, 2023b).

Eficiência energética

Eficiência significa fazer mais (ou, pelo menos, a mesma coisa) com menos, mantendo o conforto e a qualidade. Eficiência energética significa gerar a mesma quantidade de energia com menos recursos naturais ou obter o mesmo serviço com menos energia. A eficiência energética é considerada um dos mais importantes RED, que com o desenvolvimento da tecnologia aliando equipamentos de consumo reduzido e inteligentes, é capaz de retardar custos de infraestrutura com a expansão da geração e das redes de transmissão e distribuição, além de reduzir os valores de demanda de pico de energia elétrica, contribuindo com a segurança e confiabilidade do sistema (EPE, 2023).

Veículos elétricos (VE).

A produção de veículos elétricos tem crescido de forma consistente e tendem a ser um RED relevante no futuro passando a integrar micro grids e CEV. Segundo a Siemens (Electric Car Future Predictions, n.d.-b) as vendas de VE tiveram um crescimento constante nos últimos cinco anos. Prevê-se que os VE igualem as vendas de veículos com motor de combustão interna até 2030 e as superem até 2040. O aumento da produção de VE e sua conexão com sistemas de baterias residenciais faz com que se tornem um RED relevante.

Figura 2 – VE como componente de uma CEV. Traduzido de (Ntombela et al., 2023)

Tipos de centrais elétricas virtuais

Centrais elétricas virtuais comerciais (CEVCs) fundamentalmente focam sua operação na participação no mercado do setor elétrico otimizando a produção e oferta com a demanda de energia elétrica de seus componentes. Já as CEVTs oferecem serviços ancilares ao operador de rede de transmissão, controlando os níveis de frequência e tensão.

Segundo Naval & Yusta (2021), ao otimizar o controle e a coordenação entre as fontes de geração de energia e o sistema de armazenamento, uma CEV é capaz de satisfazer a demanda de eletricidade e obter ganhos capazes de dar a ela acesso aos mercados tradicionais de energia, rompendo barreiras de integração de energias renováveis na rede e fazendo-a alcançar um desenvolvimento sustentável.

Figura 3 – Diagrama típico de interação entre uma VPP, o mercado de energia e a rede.

O objetivo principal das CEV é otimizar o gerenciamento e programação de diferentes instalações de geração e a estabilidade da rede para maximizar o lucro final da CEV.  As CEVCs usam modelos cuja função objetivo visa maximizar a diferença entre custos e receitas de venda de energia. Alguns modelos além da maximização de lucros também buscam a minimização das emissões de GEE simultaneamente através de modelos multiobjetivos.

Atualmente, a maioria dos países já implementou processos de liberalização e abertura à concorrência em seus respectivos mercados de eletricidade. Naval & Yusta (2021) criaram uma tabela com os diversos mercados que as CEVs podem variar dependo das regulações de cada país. A tabela 1 apresenta a tradução desta tabela.

Tabela 1 – Tipos de mercados de eletricidade

A figura 4, traduzida de Naval & Yusta (2021) apresenta os tipos de mercados em relação ao tempo e o despacho de energia.

Figura 4 – Sequência dos tipos de mercados de eletricidade

Segundo Naval & Yusta (2021) nos últimos anos, houve um crescimento substancial em usinas de geração com energia renovável. Para favorecer a integração dessas plantas no sistema eléctrico, os mecanismos de mercado devem proporcionar maior flexibilidade ao sistema elétrico e melhorar a sua capacidade de lidar com a variabilidade e a incerteza da geração renovável. Isto deverá, em última análise, garantir a segurança do fornecimento de eletricidade. Por esta razão, o crescente desenvolvimento de serviços ancilares e mercados de serviços e contratos bilaterais é notável.

Tendências das CEVs no Brasil

Em 17 de junho de 2021 a ANEEL publicou a Nota Técnica de nº 0076-2021 para investigar modelos regulatórios aplicáveis ao contexto brasileiro para a inserção de REDs, , micro redes e CEV com base nas melhores práticas internacionais e considerando seus potenciais impactos no setor elétrico (ANNEL, 2021).

A perspectiva é de inserir CEV e RED no Brasil devido ao processo de modernização do setor elétrico brasileiro e às políticas de descarbonização do setor.

Entre as políticas de modernização no Brasil estão a abertura do Mercado de Energia Elétrica, gerando maior competitividade e atratividade de preços, dando ao consumidor maior poder de escolha uma vez que é facultado a este a livre negociação em relação aos preços. 

O setor elétrico se prepara para uma mudança significativa a partir de 2024, quando entra em vigor uma nova regra que permitirá a todos os consumidores conectados em tensão acima de 2,3 kilovolts (kV), conhecidos como grupo A, escolher seu fornecedor de eletricidade, aderindo ao chamado mercado livre de energia. Na prática, significa que empresas com contas de luz superiores a R$ 10 mil poderão trocar seu fornecedor de energia (Infomoney, 2023).

CEVs são soluções intensivas em tecnologia. O desenvolvimento de aplicações criadas através de inteligência artificial com tecnologia blockchain e computação em nuvem promete transformar os modelos de negócios, dando mais liberdade, com menor custo e muito mais velocidade nas transações. Com todas estas políticas de modernização e a utilização de tecnologias disruptivas, pode-se esperar uma mudança no panorama geral das distribuidoras, incorporando os três Ds da transição energética: a descarbonização, descentralização e digitalização.

Considerações finais

Este estudo discutiu a transformação e modernização do setor energético, focando no papel das Centrais Elétricas Virtuais (CEVs) como uma solução inovadora para otimizar a geração e distribuição de energia elétrica a partir de fontes renováveis. Através da geração distribuída (GD), por meio de fontes fotovoltaicas, eólicas, biomassa e outras, as CEVs surgem como um modelo capaz de gerenciar recursos energéticos distribuídos de forma eficiente, reduzindo custos, melhorando a estabilidade da rede e promovendo uma transição energética sustentável.

Destacou-se a expansão deste setor de energia solar que, no primeiro semestre de 2023, gerou investimentos da ordem de R$ 33 bilhões no Brasil, acumulando um valor superior a R$ 170 bilhões em novos investimentos desde 2012 e contribuindo com cerca de R$ 479 bilhões em arrecadação tributária. A ABSOLAR estima-se que em 2024 sejam gerados mais de 281,6 mil novos postos de trabalho, pelo setor. Como contribuição para o combate as mudanças climáticas a geração fotovoltaica contribui com redução 42,8 milhões de toneladas de CO2 na geração de eletricidade, segundo o (ABSOLAR, 2023).

No cenário global observa-se o crescimento exponencial da produção e adoção de veículos elétricos (VE) e a evolução dos sistemas de baterias como componentes críticos dos Recursos Energéticos Distribuídos (REDs), apontando para um futuro onde a integração de microgrids e CEVs poderá transformar significativamente a estrutura de distribuição e consumo de energia. Este cenário é alimentado por uma produção consistentemente crescente de VE, prevista para igualar as vendas de veículos a combustão interna até 2030 e superá-las até 2040, uma tendência que reforça a relevância dos VE como um RED essencial na transição para uma matriz energética sustentável (Electric Car Future Predictions, n.d.-b).

Por fim, o documento aborda as tendências das CEVs no Brasil, considerando as políticas de modernização do setor elétrico e o potencial de inserção das CEVs e REDs no mercado brasileiro. A expectativa de mudanças significativas a partir de 2024, com a abertura do mercado de energia elétrica e a adoção de tecnologias disruptivas, como inteligência artificial e blockchain, sinaliza uma transformação profunda no panorama energético do país.

Concluindo, o artigo solidifica a posição das CEVs como pilares fundamentais na revolução do setor de energia renovável. Ao alavancar a geração distribuída, aprimorar o uso de tecnologias inovadoras e promover a integração de recursos energéticos sustentáveis, as CEVs são apresentadas como soluções vitais para superar os desafios da transição energética. Representam um avanço notável para atingir um futuro energético resiliente, eficiente e de baixo carbono, marcando um caminho progressivo em direção à sustentabilidade global.

Referências

ABSOLAR (2023) – Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica. Disponível em:

https://www.absolar.org.br/noticia/energia-solar-supera-r-170-bilhoes-em-investimentos-no-brasil/ Acesso em 08/02/2024.

ABSOLAR. (2023b, November 29). Queda de preços e regulação devem impulsionar uso de baterias residenciais – ABSOLAR. https://www.absolar.org.br/noticia/queda-de-precos-e-regulacao-devem-impulsionar-uso-de-baterias-residenciais/

ABSOLAR (2024) – Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica. Disponível em: https://www.absolar.org.br/mercado/infografico/. Acesso em 08/02/2024.

AGUIAR, F.M (2022). “Estudo Para Aplicação De Usinas Virtuais De Energia No Brasil.” 2022. Disponível em: http://hdl.handle.net/10183/235937. Acesso em 27/03/2024.

ANEEL (2021). Nota Técnica nº 0076/2021-SRD/ANEEL. Disponível em:https://antigo.aneel.gov.br/web/guest/tomadas-de-subsidios?p_p_id=participacaopublica_WAR_participacaopublicaportlet&p_p_lifecycle=2&p_p_state=normal&p_p_mode=view&p_p_cacheability=cacheLevelPage&p_p_col_id=column-2&p_p_col_count=1&_participacaopublica_WAR_participacaopublicaportlet_ideDocumento=43947&_participacaopublica_WAR_participacaopublicaportlet_tipoFaseReuniao=fase&_participacaopublica_WAR_participacaopublicaportlet_jspPage=%2Fhtml%2Fpp%2Fvisualizar.jsp. Acesso em 27/03/2024.

ANEEL (2023). Expansão da matriz elétrica brasileira ultrapassa 7 GW em 2023. Disponível em:

https://www.gov.br/aneel/pt-br/assuntos/noticias/2023/expansao-da-matriz-eletrica-brasileiraultrapassa-os-7-gw-em-2023. Acesso em 10/09/2023.

BRADFORD, T. HOSKINS, A. (2013) Valuing Distributed Energy: Economic and Regulatory Challenges. Disponível em: https://travisbradford.files.wordpress.com/2012/01/de-whitepaper-final-0426.pdf Acesso em 27/03/2024

EPE –  Empresa de Pesquisa Energética (2023).  Mudanças climáticas e Transição energética. Disponível em: https://www.epe.gov.br/pt/abcdenergia/clima-e-energia. Acesso em 08/03/2024.

Electric car future predictions. (n.d.-b). Siemens Resource Center. https://resources.sw.siemens.com/en-US/white-paper-electric-car-future-prediction

Exame (2023). Retrospectiva ESG 2023: o ano da virada para a energia solar no Brasil. Disponível em: https://exame.com/esg/retrospectiva-esg-2023-o-ano-da-virada-para-a-energia-solar-no-brasil/. Acesso em 15/03/2024.

Infomoney (2023,). Abertura do mercado livre de energia atrai consumidores e movimenta elétricas. InfoMoney. https://www.infomoney.com.br/business/abertura-do-mercado-livre-de-energia-atrai-consumidores-e-movimenta-eletricas. Acesso em 28/03/2024.

Naval, N., & Yusta, J. M. (2021). Virtual power plant models and electricity markets-A review. Renewable and Sustainable Energy Reviews149, 111393.

Ntombela, M., Musasa, K., & Moloi, K. (2023). A comprehensive review of the incorporation of electric vehicles and renewable energy distributed generation regarding smart grids. World Electric Vehicle Journal, 14(7), 176. https://doi.org/10.3390/wevj14070176

AUTOR

Flávio Geraldo Nogueira (DSC – Programa de Planejamento Energético PPE/ COPPE/UFRJ, Fundação Pós-Doutorado da Escola de Administração de Empresas de São Paulo Fundação   Getulio Vargas (FGV EAESP)

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